-Relata de uma pequena viagem de bike.
Aventura de um final de semana:
Com o objetivo de treinar
para uma aventura maior, praia do Cassino de bike (sul do Rio Grande
do Sul), 220km, resolvi organizar uma pequena viagem com dois dias de
pedalada pela Ferrovia do Trigo. Uma estrada de ferro concluída na
década de 70 que passa por uma região montanhoso do Rio Grande. Por
isso, no seu trajeto, encontram-se várias pontes e túneis,
inclusive a maior ponte ferroviária da América, o “Viaduto 13”,
com seus 143m de altura e 523m de comprimento. Foram, na realidade,
apenas 10km pela ferrovia, os outros 143km, ida e volta, de Lajeado
aos trilhos e dos trilhos à Lajeado, só que por caminhos
diferentes.
Tive uma semana, apenas,
para organizar essa pequena volta que foi decidida de última hora.
Nesse tempo, tentei juntar o máximo de informações o possível,
convencer amigos para irem juntos, preparar as bikes e
comprar a comida necessária.
Saímos de Lajeado mais
ou menos pelas oito horas da manhã de uma sexta feira. Estávamos
felizes, eu e mais duas pessoas, pois iriamos pedalar apenas 70km
naquele dia, e quem pedala sabe que tendo um dia inteiro se faz essa
quilometragem de pés nas costas. Achávamos que chegaríamos um
pouquinho depois de meio dia no destino, mas não foi bem esse o
decorrido. Depois de termos percorrido 48km, fomos surpreendidos por
uma subida de uns 5km que não estava cadastrada no meu mapa
altimétrico, recordações do gráfico do Google Earth, fazendo-nos
chegar no nosso local de almoço, curiosamente, na hora do almoço!
Vespasiano Corrêa se chama esse lugar, uma pacata cidade, com 2180
habitantes. Comemos os nossos sanduíches na academia ao ar livre no
centro do município. Com energias recarregadas, partimos para a
próxima etapa do trajeto: a estrada de chão, pois até então,
tínhamos andado apenas pelo asfalto. Faltavam míseros 20km! E, não
era nem uma hora da tarde ainda! Seria muito tranquilo!- Pensávamos...
Separei, antes da nova
etapa de chão, um mapa do exército da região, muito detalhado, que
eu havia imprimido uns dias antes. O trajeto desenhado em cima da
impressão com uma caneta azul explicava todas as quebradas
necessárias para chegarmos ao local certo de interseção com a
estrada de ferro. Os primeiros 6km desse trecho foram animadores,
mesmo com a média absurdamente baixa, estávamos dentro do tempo
previsto. Foi quando nos perdemos pela primeira vez, demorou um
tempinho até descobrirmos o nosso erro, e logo seguimos, estrada
acima, como sempre, até o caminho original. Continuamos, mas o
restante de quilômetros até os trilhos não foram nada tranquilos.
Pequenos erros de navegação continuávamos a cometer, em cada
bifurcação ficávamos minutos discutindo a direção certa. E ainda
para completar, a geografia local é extremamente acidentada, ótimo
para ciclistas! Enquanto toda essa “desgraça” acontecia no nosso
itinerário, o tempo, diante das paisagens exuberantes, ia passando.
Chegamos a um vilarejo chamado Monte Cuco às cinco da tarde, já
atrasados. Como o nome da vila já diz: fica em cima de um morro.
Tristeza para os ciclistas que chegam, e alegria para os que saem
dessa localidade. A hora agora era de alegria, em apenas meia hora já
estávamos nos trilhos. Detalhe, justamente a poucos metros da
ferrovia furei o meu pneu, mas, já nela, consertei-o.
Já eram cinco e meia
passada quando chegamos nos trilhos, apenas duas horas e meia de
atraso! Mesmo assim, resolvemos seguir um pouco pela ferrovia, como o
planejado, antes de acamparmos. -Eu ainda não tinha falado a
respeito da forma que planejávamos passar a noite: acampar sem
barraca, apenas com saco de dormir e lona, no lado da ferrovia.- Logo
depois da nossa entrada na estrada de ferro, passamos pela primeira
ponte: a tenebrosa “Metálica”. Não sei exato qual é a sua
altura, mas acredito que tenha uns 60m. Esse viaduto não apresenta
beira “corrimão” e chão, apenas os dormentes “voadores”,
como eu costumo falar. Quando se atravessa a ponte, pode-se ver a
parte funda do vale entre os dormentes, é uma sensação
interessante. Antes de conhecê-la, especulava que fosse perigoso
atravessá-la, mas me impressionei com a sua largura espaçosa, mais
ou menos 2,5m, e com a pouca distância entre os dormentes, uns 30cm
no máximo. Tomando todo os cuidados na hora de atravessar, é
praticamente impossível cair dela. Em caso da passagem de um trêm,
ela apresenta refúgios a cada 15m, uma plataforma quadrada metálica,
essa com corrimão, com seus confortáveis 1,25m de aresta,
comportando até uma bicicleta.
Bom, voltando aos
acontecimentos, continuamos seguindo pelos trilhos até o final do
segundo túnel após o viaduto Metálico. Foi quando, de novo, furei
o meu pneu traseiro, o mesmo de antes. Não tínhamos mais escolha,
deveríamos encontrar um lugar para dormir o mais rápido o possível.
Passamos pelo portal de saída do túnel, já escurecendo e eu
empurrando a bike. Nos deparamos com uma grande área plana no lado
dos trilhos, algo completamente incomum para aquela região
montanhosa, pois a estrada de ferro, acompanhando o vale do rio
Guaporé, foi construída entre os cumes e o rio desse, justamente
em uma face bem inclinada. Encontramos ali vestígios de um outro
acampamento, restos de uma fogueira e uma pequena área descampada,
para as barracas, imagino eu. Não pensamos duas vezes, nos
direcionamos ao local e começamos a descarregar os alforges das
bicicletas. Chegamos ao nosso ponto de passar a noite às seis e meia
da tarde, estava quase noite, então, não perdemos tempo. Fizemos
fogo na fogueira, botamos dois litros e meio de água, dos nossos
três, para esquentar no fogareiro a gás que levávamos junto,
separamos a comida para a janta e espichamos as lonas para
acomodarmos os sacos de dormir em cima. Concluímos a janta, macarrão
à carbonara, com ovos, cebola e linguiça, tudo que tínhamos
direito. Comemos. Sobrou uma boa porção de massa que acondicionamos
bem, depois de devorarmos a sobremesa, para nenhum animal da noite
comer. Nos recolhemos e dormimos.
Um dos meus maiores
medos para esta pequena viagem, era a respeito dos trens. E se
passasse um trem quando estivéssemos dentro de um túnel ou em cima
de uma ponte? Procurei a resposta antes de sairmos para a aventura.
Sabia já, que as pontes e os túneis apresentavam refúgios, e as
bicicletas? Cabem nesses recuos? Não encontrei essa resposta na
internet, pois poucas pessoas fazem esse trajeto de bike, o mais
comum é caminhar por ela. Para resolver a situação, fui de carro
uma semana antes até uma pequena ponte que também pertence a mesma
estrada de ferro. Era um viaduto de concreto com refúgios do mesmo
material. Analisei bem a obra de engenharia e cheguei a conclusão de
que era possível nos safarmos, eu e a bicicleta (apenas com a roda
traseira dela no chão), no caso de passar um trem. Já nos túneis,
além de existir a cada poucos metros refúgios, como nas pontes,
pode-se encontrar, também, algumas irregularidade nas paredes do
buraco, provavelmente causadas por falta de controle das explosões
na construção deste, propícias para apoiar a bike, sendo um lugar
mais afastado trilho. Mesmo assim, deve ser assustador dividir um
espaço tão pequeno com um trem tão monstruoso.
Outra pergunta que
considerei fundamental para a viagem foi: À que horas passam os
trens nessa ferrovia? Aproveitei a mesma ida, à que fui até a ponte
de concreto, para ir a uma estação ferroviária que pertence aos
mesmos trilhos, em Roca Sales. Lá, descobri que os únicos trens que
passam pela Ferrovia do Trigo são a noite. De dia, raramente passa.
O perigo , que não é perigoso, é encontrar um pequeno trem,
chamado de Veículo, da manutenção fazendo reparos na estrada de
ferro. Esse pode parar em cima das pontes, dentro dos túneis, enfim,
em qualquer lugar, não atropelam turistas que perambulam pelos
trilhos.
Pedi ao meu amigo, antes
de dormir, me acordar na hora que passasse o trem, e foi isso que
ele fez! Estava em um sonho silencioso quando, de uma hora para
outra, um barulho de metal com metal muito forte misturado com um
grave ruído de motor a disel e junto com os chamados do meu amigo,
me acordam em um estálo só!! Levanto a cabeça, procuro o trem, e o
obeservo impressionado a centena de vagões passar diante os meus
olhos, escutando e analisando a brutalidade com que eles viajam. Nem
me lembro qual foi o pensamento que tive antes de dormir novamente, a
próxima recordação que tenho é da passagem do segundo trem da
noite. Nesse, fui acordado com mais antecedência pelo meu amigo.
Acordei enquanto o barulho ainda estava longe, mas já enchergávamos
a luminosidade nas copas das árvores, ao nosso redor, produzida por
um grande farol de lâmpada incandessente que o trem alimentava. A
intenside de luz nas copas ia aumentando, até que, dessa vez no
sentido contrario da anterior, passou a máquina, já falhando de
cansada, puxando todas aquelas milhares de toneladas de mercadorias
para nós.
Continua...